Blog dos alunos da turma III da Especialização em Semiótica Aplicada à Literatura e Áreas Afins da Universidade Estadual do Ceará (UECE)

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Divulgação XI

Dica de Erasmo de Oliveira Freitas:

Notícia no Diário do Nordeste: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=905442
 
Trata de peças que virão para Fortaleza em breve. 
São peças nacionais, muito conhecidas e polêmicas. 
Fazem parte da História do Teatro Nacional.
 

domingo, 12 de dezembro de 2010

Memória de leitura de "Se Um Viajante Numa Noite de Inverno" por Ana Germana P. Rodrigues


AULA 9 – Se um viajante numa Noite de Inverno, de Ítalo Calvino – 27/11/2010.
Aluna: Ana Germana P. Rodrigues.

            Se um viajante numa Noite de Inverno, de Ítalo Calvino, é um livro bem diferente dos que já li. O primeiro capítulo pensei que fosse uma espécie de prefácio da editora. Ao continuar sua leitura, percebi que não: que essa análise sobre o “ler” e o “escrever” uma história, sobre as relações entre autor, narrador e leitor são o que constroem, literalmente, o enredo deste livro. Sim, pois, inicialmente, eu havia feito anotações com a seguinte separação: “capítulos de ‘enredo’” seriam os que contavam uma história que, pelo visto, não tinha continuação; e “capítulos do Leitor” seriam os que contavam a história do Leitor e de Ludmilla, a Leitora, e o rumo que a vida deles estava tomando ao iniciarem a leitura deste romance (e também a vida que tinham antes), além de suas reflexões sobre as histórias que liam e o porquê de elas não estarem concluídas.

            Modificando agora a minha análise, acredito que posso denominá-los de “capítulos com início de romances” e “capítulos de ‘enredo’”, pois estes têm continuidade, com os mesmos protagonistas e com outras características “tradicionais” de uma narrativa.

            Sobre os “capítulos com início de romances”, inicialmente, pensei que o narrador-personagem (masculino) era a mesma pessoa, que o que ele contava em cada capítulo era apenas um episódio da sua vida de viajante: por ter passado/vivido por vários lugares, conhecera várias pessoas e se deparara com diversas situações. Talvez... Mas o que consegui encontrar em comum a todos eles foi (com pequenas diferenças em decorrência das situações): as mulheres de cada capítulo (cada um tem uma) normalmente são as que conduzem (ou pelo menos pensam que conduzem, ou mesmo são apenas uma “desculpa” do narrador – como em “Olha para baixo onde a sombra se adensa”) as atitudes do narrador-personagem. Normalmente, elas são o objeto de desejo de dois homens (um deles é o narrador-personagem), ou pelo menos em algum momento da narrativa alguém pensa isso – como em “Se um viajante numa noite de inverno”, no qual o doutor Marne pensa que o viajante estaria cortejando (ou sendo cortejado pela) sua ex-mulher, mas o nosso narrador não conta nenhuma relação “mais concreta” que possa ter tido com ela a não ser a do favor que ela o faria.

            E sobre esse capítulo “Se um viajante numa noite de inverno”: o autor continua (em relação ao que escreve no capítulo 1) a falar sobre a relação entre autor e narrador, sobre o ato de fazer o romance, ao mesmo tempo que vai contando o enredo deste “início de romance”: “O romance começa numa estação ferroviária [...]” (p. 18); “Aqui, o romance transcreve fragmentos de conversa que parecem servir apenas para representar a vida cotidiana de uma cidade de província.” (p. 25); 

Se não falo com ninguém, deixo marcas, porque me qualifico como alguém que não quer abrir a boca; se falo, deixo-as também, porque toda palavra pronunciada permanece e pode reaparecer a qualquer momento, com ou sem aspas. Talvez por isso o autor acumule suposições sobre mais suposições, em longos parágrafos sem diálogos, para que eu possa passar despercebido e sumir numa espessidão de chumbo densa e opaca. (p. 22)


E parece confessar uma identificação entre autor e narrador-personagem:

Isso é tudo que você sabe sobre mim, mas é suficiente para que possa sentir-se levado a investir parte de si próprio neste eu desconhecido, assim como fez o autor, que, sem ter tido a intenção de falar de si mesmo, decidiu denominar “eu” sua personagem quase para subtraí-la aos olhares, para não precisar nomeá-la nem descrevê-la, porque qualquer outra denominação ou atribuição a teria definido melhor que esse despojado pronome; até mesmo pelo simples fato de escrever a palavra “eu”, o autor se vê tentado a pôr neste “eu” um pouco de si próprio, um pouco daquilo que sente ou imagina sentir. (p. 22)


Mas será que esse “autor” ao qual o narrador se refere é o próprio Ítalo Calvino? A minha ideia é de que não. Provavelmente, esse “autor” é um outro narrador (onisciente, não-personagem, para melhor entender), se levarmos em consideração que o “nosso” autor é o Ítalo Calvino que está contando sobre o ato de escrever de um autor (qualquer). E Ermes Marana fala sobre isso a Silas Flannery: “O autor de cada livro não é mais que uma personagem fictícia que o autor real inventa para transformar em autor de suas ficções.” (p. 184)

            Confesso que toda essa metalinguagem já estava me cansando um pouco, principalmente quando a história de “Se um viajante numa noite de inverno” fora interrompida justamente para contar uma “meta-história”, que está nos capítulos numerados (e que chamei de “capítulos de ‘enredo’”). Depois entendi que essa “meta-história” é justamente “a” história deste livro.

            O capítulo 2, inclusive, antecipa a angústia sentida pelos Leitores (protagonistas deste livro) e que eu também senti, mas apenas quando li “Sem temer o vento e a vertigem”. Apenas senti esta angústia dois títulos depois do que os Leitores sentiram porque eu estava tentando ver, em qualquer detalhe (principalmente a respeito da família Kauderer), que se tratava da mesma história, do mesmo narrador-personagem, apenas contando episódios diferentes de sua (mesma) vida. Cheguei a pensar até mesmo: “Esses Leitores foram precipitados em achar que o livro estava com páginas trocadas de outros livros. Trata-se da mesma história, em momentos diferentes da vida desse viajante...” No entanto, depois de ler “Sem temer o vento e a vertigem”, percebi que seria bastante forçoso da minha parte continuar pensando assim. Por isso, resolvi apenas procurar semelhanças entre o enredo dessas histórias (já citadas).

            E foi justamente a Leitora, Ludmilla, quem me alertou sobre a real intenção deste livro:

– O romance que mais gostaria de ler neste momento [...] é aquele que deveria ter como força motriz o desejo de contar, de acumular história sobre história, sem pretender impor uma visão do mundo, mas apenas fazer você assistir ao crescimento do romance, como uma planta, um entrelaçado de ramos e folhas...” (p. 96-7)


            No entanto, apesar de admirar essa intenção do livro, não consigo deixar de confessar a minha frustração sempre que cada “capítulo com início de romance” acabava, e eu não conseguia saber o restante (ou mesmo o início, com um flash-back) da história. Além disso, também considero que Calvino, ao deixar como nome do livro justamente o mesmo nome do primeiro “capítulo com início de romance”, iludiu-me (e talvez isso tenha acontecido com outros leitores) de que haveria uma possível continuação dessa mesma história no decorrer do livro. Por isso, ainda fiquei páginas e páginas desejando ler essa continuação e até mesmo “forçando” uma ideia de complementaridade entre os (dois) capítulos seguintes e este.

            Quando fui lendo os “capítulos de ‘enredo’”, sobretudo a partir do terceiro, comecei a ficar curiosa sobre a possível existência dos prováveis autores das histórias até então lidas nos outros capítulos – Bazakbal, Ukko Ahti, Viljandi, Bertrand Vandervelde, Silas Flannery, Takakumi Ikoka, Calixto Bandera, Anatoly Anatolin – e da Címbria/Ciméria. Fiz uma busca pela Internet e, sobre esses autores, só encontrei quando estavam referindo-se ao livro de Ítalo Calvino, e, sobre Címbria/Ciméria, encontrei histórias não-fictícias delas, mas sem muita relevância para o que li no livro.

            Sobre o enredo em torno de Leitor e Leitora, confesso que não estava interessada. Pensei até mesmo em pular os capítulos numerados. No entanto, ao ler o capítulo 6, no qual sabemos sobre as traduções e as cartas de Ermes Marana para a editora, comecei a me sentir mais atraída pela narrativa e a perceber que esses capítulos estavam tendo mais destaque, para mim, do que os de “início de romances”. Entendi também que a numeração dos “capítulos de ‘enredo’” quer justamente dizer que eles, sim, têm sequência e constituem a história principal que estou lendo. Pensei, então, em pular os “capítulos com início de romance”, pois não queria mais me frustrar com o fato de não saber o final da história e por achar que eles continuariam com o mesmo esquema: um narrador-personagem (masculino) cujo objeto de desejo e impulsionador de suas atitudes era uma mulher, também desejada por outro homem. No entanto, esse “outro homem” já não aparece em “Numa rede de linhas que se entrelaçam”. Além disso, mesmo que estivesse muito apressada em terminar de ler este livro para iniciar este trabalho, não consegui dar esses “pulos” na leitura, pois, nos capítulos numerados, Leitor e Leitora estavam sempre se referindo à história do capítulo que o sucedia e/ou do que o antecedia, e a minha curiosidade de lê-la também, mesmo já sabendo a frustração que teria novamente no final, só aumentava.

            Também nos capítulos numerados existe um “triângulo amoroso” semelhante ao que percebi nos “capítulos com início de romance”. No entanto, o narrador não é personagem, mas é observador. 

Esse triângulo amoroso só começou a ser revelado, de fato, no capítulo 7, quando o Leitor descobre que Ludmilla – a Leitora, e por quem estava apaixonado – tivera um romance com Ermes Marana. Digo “de fato” porque o Leitor parece o tempo todo querer encontrar em qualquer figura masculina que tenha alguma relação com Ludmilla algum romance entre eles, e o Leitor demonstra ciúme ao cogitar essas possibilidades (e ao saber do “fato”). No entanto, parece que esse relacionamento não fora completamente encerrado, pelo menos não da parte de Ermes Marana, o qual sente ciúmes de Ludmilla com as suas leituras e com seus respectivos autores. Por isso, o que ele tenta fazer é derrotar esses autores, falsificando suas obras:

Ermes Marana – desde sempre, porque seu gosto e talento o impeliam a isso, mais ainda depois que sua relação com Ludmilla entrou em crise – sonhava com uma literatura composta exclusivamente de obras apócrifas, de falsas atribuições, de imitações, contrafações e pastiches. Se essa idéia conseguisse impor-se, se uma incerteza sistemática quanto à identidade de quem escreve impedisse o leitor de abandonar-se com confiança – confiança não tanto no que é contado, mas na voz misteriosa de quem conta –, talvez nada mudasse no exterior edifício da literatura. Mas, por baixo, nos alicerces, lá onde se estabelece a relação entre leitor e texto, algo mudaria para sempre. Então Ermes Marana não mais haveria de sentir-se abandonado por Ludmilla quando ela estivesse absorta na leitura: entre o livro e ela sempre se insinuaria a sombra da mistificação, e ele, identificado com cada uma das mistificações, teria confirmada sua presença. (p. 163)
               
Esse ciúme também é manifestado, em relação à Ludmilla, pelo escritor Silas Flannery: 

o autor que continua a entrar na intimidade dessa jovem, ao passo que eu, o eu de aqui e de agora, com minha energia física que sinto manifestar-se muito mais indestrutível que o impulso criativo, dela estou separado pela imensa distância de um teclado datilográfico e de uma folha branca no carro da máquina. (p. 195)

“Numa rede de linhas que se entrecruzam”, por sua vez, é o primeiro dos “capítulos com início de romance” que parece apresentar um final, além de também não apresentar um outro homem para disputar a mulher.

No capítulo 8 – “Do diário de Silas Flannery”, deparamo-nos, mais uma vez, com a reflexão sobre o ato de escrever, principalmente nas angústias que o escritor pode ter ao (ter que) fazer isso: “Como eu escreveria bem se não existisse! Se a folha branca e a efervescência das palavras e das histórias que tomam forma e se desvanecem sem que ninguém as escreva não se interpusesse o incômodo tabique que é minha pessoa!” (p. 175)

Neste capítulo, encontramos também, variando de narrador-personagem para narrador-observador, a reflexão sobre o que seria um “escritor produtivo” e um “escritor atormentado”:

[O escritor atormentado] considera o escritor produtivo nada mais que um hábil artesão, capaz de confeccionar uma série de romances que atendem ao gosto do público (...). Não é apenas inveja o que sente, é também admiração, sim, admiração sincera: no modo com que aquele homem põe todas as suas energias no escrever, há certamente uma generosidade, uma confiança no ato de comunicar, de dar aos outros aquilo que esperam dele, sem interpor problemas de consciência. (p. 177)

Ao passo que o “escritor produtivo”: 

Às vezes, parece-lhe que vê [o escritor atormentado] caminhar sobre uma corda suspensa no vazio, e é tomado por um sentimento de admiração. Não só admiração: de inveja também, porque sente que seu trabalho é limitado e superficial se comparado ao que o escritor atormentado está procurando. (p. 178)

E, ainda neste capítulo, o narrador-personagem escreve, revelando o que vemos na(s) nossa(s) narrativa(s): “Eu gostaria de poder escrever um livro que não fosse mais que um incipit, que conservasse em toda a sua duração as potencialidades do início, uma expectativa sem objeto.” (p. 181) E, sobre isso, Calvino diz, no Apêncice, que não se tratam exatamente de histórias “inacabadas”, mas sim: “[trata-se da problemática do] ‘acabado interrompido’, do ‘acabado cujo final está oculto ou ilegível’, tanto no sentido literal como no metafórico”.

No livro, há também a abordagem sobre a dependência, em relação ao autor, do Leitor para saber se o livro que está lendo é falso ou não: ele considera que só conseguiria desvendar isso se recorresse ao autor (ou pelo menos ao autor cujo nome está escrito no livro que está lendo). Isso se contrapõe ao que Ludmilla pensa, segundo Lotaria, sua irmã: “Ludmilla afirma que é melhor não conhecer o autor pessoalmente, pois sua pessoa real nunca corresponde à imagem que se faz dele ao ler os livros” (p. 190)

Mas confesso compartilhar da mesma curiosidade que o Leitor teve e, por isso também, reflito: de que se serviria a teoria literária, se nós, também leitores, não tivéssemos a curiosidade de ir mais além dessa linha?

Enfim, o terceiro leitor que se encontrava na biblioteca, do capítulo 11, resume a seguinte ideia: “a leitura consiste numa operação sem objeto ou que seu verdadeiro objeto é ela própria. O livro é um suporte acessório ou, mesmo, um pretexto.” (p. 258)

E um sexto leitor parece desvendar, e juntar, os “capítulos com início de romance” que compõem este livro:
Se um viajante numa noite de inverno, fora do povoado de Malbork, debruçando-se na borda da costa escarpada, sem temer o vento e a vertigem, olha para baixo onde a sombra se adensa numa rede de linhas que se entrelaçam, numa rede de linhas que se entrecruzam no tapete de folhas iluminadas pela lua ao redor de uma cova vazia. “Que história espera seu fim lá embaixo?” (p. 261)

Mas o final desta história dos “capítulos de ‘enredo’” parece que nos foi dado só para satisfazer um clichê e a vontade, que o Leitor tanto tinha, de finalizar uma história.

Memória de Leitura de 'Se Um Viajante Numa Noite de Inverno' por Carlos Rangel Sousa Ferreira


Disciplina: Teorias Literárias
Prof: Socorro Acioli
Aluno: Carlos Rangel Sousa Ferreira

Análise Crítica – CALVINO, Ítalo. Se um viajante numa noite de inverno. Trad.: Nilson Moulin. Companhia da Letras, 1ª Ed. São Paulo, 1999. 

O texto que se segue propõe a análise, em forma de resenha, de Se um viajante numa noite de inverno, obra publicada pela primeira vez no ano de 1979, escrita por Ítalo Calvino. Como iniciante na arte de criticar e tecer juízo de valor sobre textos me concentrarei apenas naquilo que me é compreensível. Deixando, toda e qualquer discussão mais aprofundada a respeito dos temas abordados pelo livro, a cargo do leitor que melhor pode se posicionar sobre o que lê. 

Enigmaticamente, o texto é leve e sua leitura acessível a qualquer leitor iniciante ou não, entretanto a estrutura da história é misteriosa e duvidosa, pois o leitor, ao primeiro contato, se depara com um enredo que é interrompido bem no inicio de seu desenvolvimento. O que a este que vos escreve, surpreendeu e causou certo desassossego.

Sabendo da necessidade de uma boa justificação ao que escrevo, fui beber das fontes sagradas da teoria literária para melhor lhe guiar nesta análise. De todas correntes desenvolvidas durante o século XX, O formalismo e a estética da recepção, sem dúvidas, foram as que mais puderam me responder sobre os questionamentos que fiz no percurso trepidante desta leitura.

Acrescento ainda a inúmeras olhadelas dadas na imensa rede de dados, que hoje alimenta a mente da sociedade moderna, através de seu hipertexto e de sua renovação contínua: a internet, claro!

O leitor é aquele que lê? Ou leitor faz parte daquilo lê?

A resposta ao que pergunto, Jauss, a muito já a discutiu e deu o rumo para entendê-la. O que Calvino faz neste texto é comprovar aquilo que o pensador de Constance coloca em sua obra. O leitor como elemento fundamental na composição do texto literário. Calvino desenha ao longo das 263 páginas de seu romance, um caminho inquietante de pedaços de histórias que se interrompem e que, ao poucos, revelam o enredo principal do livro.

O leitor, que neste caso é personagem principal, após comprar um livro lançado por Calvino (personagem do romance) ao lê-lo percebe que o exemplar, por algum motivo é interrompido na página 30 e logo na página seguinte se depara com uma historia diferente daquela que seguia lendo nas laudas anteriores. Com isso, se motiva a tentar trocar o exemplar. Quando se depara com a informação de que, não apenas ele estava com o problema, mas todos os que haviam comprado o livro. Compreendida a argumentação da livraria, se propõe a trocar por outro exemplar que segue com o mesmo erro de edição. Neste espaço, conhece Ludmila, personagem com quem tentará decifrar a história que está preste a recomeçar a ler.

A partir daí, então, tanto leitor personagem como leitor comum se vêem alinhavados a uma sequência de dez romances, em enredos, completamente diferentes, mas que descrevem o caminho percorrido por dois personagens que, desejosos em terminar o romance se empenham em dividir suas impressões e dar a este livro o devido valor que tanto se espera.

 Certamente, as impressões iniciais são bem diferentes daquelas que se espera para um romance, que ao longo da história literária, sempre se constituiu na forma muito linear. 

Calvino, na verdade, propõe a leitor o exercício de criação do que lerá, bem como, incute a este mesmo leitor, o que se deve fazer ao acompanhar as páginas que seguem.


Observar, contextualizar e criar.

À medida que nos vemos envolvidos pelo texto de Calvino, comprovamos, diversas vezes, que nossa compreensão passa pelo que somos como leitores até o momento da abertura e leitura da primeira página do livro, e segue pelo que vamos relacionando com os significados expressos pelas palavras, que se relacionam em um correr constante pelo significado presente e escrito e presente mas não escrito. 

Ao fazer esta afirmativa, me refiro ao que Jauss fala sobre o horizonte de expectativa do leitor, que pode se expandir ou não dependendo de como se comporta o texto ofertado ao leitor. O que significa dizer que, todos temos nossas previsões sobre aquilo que nós é posto como desafio, e ao passo do cumprimento da leitura vamos ou não comprovando o que esperamos. No caso específico de Se um viajante numa noite de inverno, esse horizonte e imensamente amplificado e mesmo reorganizado para mostrar ao leitor como são constituídas as relações.     

Complementar ao pensamento, Chklovski, ao definir o estranhemento como forma de ver a obra de arte sob uma perspectiva desautomatizada, onde ela se renova à medida que surpreende o leitor e faz com que este mantenha sua vontade de permanecer na análise, exemplifica ainda mais o quão interessante se torna para o leitor o posicionamento tomando na criação da obra em questão.

As constatações

“Se um viajante numa noite de inverno, Fora do povoado de Malbork, Debruçando-se na borda da costa escarpada, Sem temer o vento e a vertigem, Olha para baixo onde a sombra se adensa, Numa rede de linhas que se entrelaçam, Numa rede de linhas que se entrecruzam, No tapete de folhas iluminadas pela lua, Ao redor de uma cova vazia, Que história espera seu fim lá embaixo?’, ele pergunta por ouvir o relato.”
(CALVINO, p. 261)
 
A trecho a cima revela o que na verdade o titulo já anunciara, pois ao se ver envolto em pequenos pedaços de histórias que, aparentemente, não se conectam, Calvino, mostra que sua obra na verdade consegue ser a constituinte de vários livros que se confrontam ou se complementam. E dessa maneira, leva ao leitor a comprovação de que sua experiência com outros tipos de leitura fizeram com que a atual possa ser entendida. 

A criação de um autor fictício, que por muito leva à subordinação do verdadeiro autor a personagem (Flannery), também ilustra o que aqui falamos, pois no curso da história um suposto autor que a muito não publica nenhuma composição sua, se vê envolto na trama, ao ver que seu nome está sendo relacionado às obras que aparecem incompletas, e que são lidas pelas personagens protagonistas.

E longamente, vemos as reflexões deste autor frente a sua visão de leitor, já que entende que toda obra tem em sua essência um público alvo/determinado.

Antagonicamente, vemos a surpresa ao entender que toda a corrida vista em direção a decifragem do mistério que envolve o livro também passa pela tessitura de uma ficção dentro de uma ficção. Afirmo, pois Ludmila e o Leitor, até agora os mais comentados. Sofrem intensa força para que se separem, pois tudo até  o momento também é obra do ex-namorado da protagonista, que insistentemente tentar reconquistá-la, falsificando histórias que na realidade não existiram ou que foram plagiadas. 

Chegamos assim ao arremate, surpreendentemente, retoma a discussão de como foi recebido pelos diversos tipos de leitores. Debatendo a forma como foi constituído.

Conclusões

Entender que a literatura é e sempre será a constatação daquilo que no mundo real não podemos criar ou pensar, é passo fundamental no exercício da leitura compartilhada e constituída de significados.

Reconhecer que o exercício de fingir, dizia o poeta Fernando Pessoa, também é outro pilar da obra de arte como objeto de estudo. Já que não podemos, em momento algum relacionar como elemento direto da realidade, aquilo que vemos em nossa frente. Este é, antes de qualquer coisa, fruto da reflexão e do modo como o artista exprime seu posicionamento a determinado contexto.

O escritor, assim como qualquer outro artista, tece sua visão de mundo dentro da obra literária levando em consideração todo conhecimento, que foi adquirido no curso de sua vida como ator de uma sociedade, que está inserida em um espaço e tempos determinados.

Na ponta desta linha, encontra-se o leitor, que assim como este é outro ator determinado por um espaço, um tempo e um grupo social ao qual faz parte.

Quando discutimos estes pontos, e os compreendemos como complementares, sabemos que não apenas aquilo que está escrito ou exposto determinará o sentido do signo, mas este se complementará do que todos os outros trazem consigo.

Para exemplificar, cito aqui um exemplo dito por uma professora, que em tempos de graduação, dizia que no caminho de leitor é costurada uma colcha formada por inúmeros retalhos, de enésimas formas, com diferentes cores e tamanhos. E que esta colcha também podia ser chamada de experiência/competência leitora, que assim como na arte, não necessariamente está ligada a leitura do verbo, mas as leituras de mundo que cada uma traz consigo.

Quando Calvino propõe a leitura sob a perspectiva espelhada, em que leitor e personagem se fundem e confundem, tratamos estas experiências como unificadores do real com o literário. O que diferentemente de muitos outros constitui algo inesperado e esta surpresa causa contentamento e/ou o contrário disso.

Bibliografia

TEXEIRA, Ivam. O Formalismo Russo. Revista Cult 1998.
CALVINO, Ítalo. Se um viajante numa noite de inverno. Trad.: Nilson Moulin.São Paulo, Companhia da Letras, 1ª Ed. 1999. 
JAUSS, H. Robert. A história da Literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ática, 1994
COTA, M.A. L. Mendes. SE UM VIAJANTE NUMA NOITE DE INVERNO: A TESSITURA DE SUJEITOS NO DISCURSO ROMANESCO. FAMINAS, Belo Horizonte, disponível em www.filologia.org.br/ileel/artigos/artigo_016.pdf 26/11/2010.
GAMA, Rinaldo. A leitura sem fim. São Paulo. Folha de São Paulo. Disponível em http://biblioteca.folha.com.br/1/21/1999082201.html 26/11/2010

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Memória de Aula 08 por Thalyta Nascimento Nunes


DISCIPLINA: Teoria Literária
PROFª Ms Socorro Acioli Martins
Aluna: Thalyta Nascimento Nunes

Memória de aula nº 8

A literatura e a psicanálise possuem uma relação de atração uma sobre a outra. Tanto a literatura se utiliza da narração dos dramas da psique humana quanto a psicologia pode buscar inspiração na tragédia, por exemplo, ao tratar das tensões presentes no indivíduo.

A psicanálise é um ramo da psicologia idealizado por Freud a partir de seus estudos de caso. Freud criou uma série de conceitos, entre eles o de inconsciente, formulando maneiras de se ter acesso e estudar essa estrutura misteriosa e outras presentes na mente humana e que influem no seu comportamento. A partir desse momento o novo método de análise foi desenvolvido por outros estudiosos como Lacan e Jung, apresentando, porém algumas disparidades e acréscimos.

Para o pioneiro nessa área da psicologia, as explicações para o comportamento e desenvolvimento humano estavam centradas na sua sexualidade. Já Lacan possuía uma base estruturalista, abordando o inconsciente humano e sua organização como uma forma de linguagem.

Jung coloca em evidência o processo de individuação e o conceito de inconsciente coletivo, o qual está relacionado aos arquétipos, pois ambos se referem a estruturas presentes na mente humana e que seriam comuns a todos os indivíduos. Os arquétipos são como uma herança transmitida universalmente. 

Vale ressaltar que esse conceito pode ser útil quando queremos entender porque uma obra literária provoca identificação no leitor, tendo em vista que os bons escritores são capazes de criar personagens arquetípicas, provocando no leitor uma sensação de pertencimento que independe de sua cultura, um reconhecimento inconsciente do arquétipo. 

            Entre os arquétipos analisados por Jung estão o Herói, o mentor, o guardião, a sombra, o Pícaro, a grande-mãe, a criança. Este último, por exemplo, é muito explorado na literatura, sob diversas variações, aparecendo como divindade, herói, órfã, sendo que todos superam os obstáculos em busca da individuação.Exemplo disso ocorre em muitos contos de fadas. Em João e o pé de feijão observamos um menino que se torna uma espécie de herói ao derrotar um gigante através de sua astúcia.