Blog dos alunos da turma III da Especialização em Semiótica Aplicada à Literatura e Áreas Afins da Universidade Estadual do Ceará (UECE)

domingo, 12 de dezembro de 2010

Memória de Leitura de 'Se Um Viajante Numa Noite de Inverno' por Carlos Rangel Sousa Ferreira


Disciplina: Teorias Literárias
Prof: Socorro Acioli
Aluno: Carlos Rangel Sousa Ferreira

Análise Crítica – CALVINO, Ítalo. Se um viajante numa noite de inverno. Trad.: Nilson Moulin. Companhia da Letras, 1ª Ed. São Paulo, 1999. 

O texto que se segue propõe a análise, em forma de resenha, de Se um viajante numa noite de inverno, obra publicada pela primeira vez no ano de 1979, escrita por Ítalo Calvino. Como iniciante na arte de criticar e tecer juízo de valor sobre textos me concentrarei apenas naquilo que me é compreensível. Deixando, toda e qualquer discussão mais aprofundada a respeito dos temas abordados pelo livro, a cargo do leitor que melhor pode se posicionar sobre o que lê. 

Enigmaticamente, o texto é leve e sua leitura acessível a qualquer leitor iniciante ou não, entretanto a estrutura da história é misteriosa e duvidosa, pois o leitor, ao primeiro contato, se depara com um enredo que é interrompido bem no inicio de seu desenvolvimento. O que a este que vos escreve, surpreendeu e causou certo desassossego.

Sabendo da necessidade de uma boa justificação ao que escrevo, fui beber das fontes sagradas da teoria literária para melhor lhe guiar nesta análise. De todas correntes desenvolvidas durante o século XX, O formalismo e a estética da recepção, sem dúvidas, foram as que mais puderam me responder sobre os questionamentos que fiz no percurso trepidante desta leitura.

Acrescento ainda a inúmeras olhadelas dadas na imensa rede de dados, que hoje alimenta a mente da sociedade moderna, através de seu hipertexto e de sua renovação contínua: a internet, claro!

O leitor é aquele que lê? Ou leitor faz parte daquilo lê?

A resposta ao que pergunto, Jauss, a muito já a discutiu e deu o rumo para entendê-la. O que Calvino faz neste texto é comprovar aquilo que o pensador de Constance coloca em sua obra. O leitor como elemento fundamental na composição do texto literário. Calvino desenha ao longo das 263 páginas de seu romance, um caminho inquietante de pedaços de histórias que se interrompem e que, ao poucos, revelam o enredo principal do livro.

O leitor, que neste caso é personagem principal, após comprar um livro lançado por Calvino (personagem do romance) ao lê-lo percebe que o exemplar, por algum motivo é interrompido na página 30 e logo na página seguinte se depara com uma historia diferente daquela que seguia lendo nas laudas anteriores. Com isso, se motiva a tentar trocar o exemplar. Quando se depara com a informação de que, não apenas ele estava com o problema, mas todos os que haviam comprado o livro. Compreendida a argumentação da livraria, se propõe a trocar por outro exemplar que segue com o mesmo erro de edição. Neste espaço, conhece Ludmila, personagem com quem tentará decifrar a história que está preste a recomeçar a ler.

A partir daí, então, tanto leitor personagem como leitor comum se vêem alinhavados a uma sequência de dez romances, em enredos, completamente diferentes, mas que descrevem o caminho percorrido por dois personagens que, desejosos em terminar o romance se empenham em dividir suas impressões e dar a este livro o devido valor que tanto se espera.

 Certamente, as impressões iniciais são bem diferentes daquelas que se espera para um romance, que ao longo da história literária, sempre se constituiu na forma muito linear. 

Calvino, na verdade, propõe a leitor o exercício de criação do que lerá, bem como, incute a este mesmo leitor, o que se deve fazer ao acompanhar as páginas que seguem.


Observar, contextualizar e criar.

À medida que nos vemos envolvidos pelo texto de Calvino, comprovamos, diversas vezes, que nossa compreensão passa pelo que somos como leitores até o momento da abertura e leitura da primeira página do livro, e segue pelo que vamos relacionando com os significados expressos pelas palavras, que se relacionam em um correr constante pelo significado presente e escrito e presente mas não escrito. 

Ao fazer esta afirmativa, me refiro ao que Jauss fala sobre o horizonte de expectativa do leitor, que pode se expandir ou não dependendo de como se comporta o texto ofertado ao leitor. O que significa dizer que, todos temos nossas previsões sobre aquilo que nós é posto como desafio, e ao passo do cumprimento da leitura vamos ou não comprovando o que esperamos. No caso específico de Se um viajante numa noite de inverno, esse horizonte e imensamente amplificado e mesmo reorganizado para mostrar ao leitor como são constituídas as relações.     

Complementar ao pensamento, Chklovski, ao definir o estranhemento como forma de ver a obra de arte sob uma perspectiva desautomatizada, onde ela se renova à medida que surpreende o leitor e faz com que este mantenha sua vontade de permanecer na análise, exemplifica ainda mais o quão interessante se torna para o leitor o posicionamento tomando na criação da obra em questão.

As constatações

“Se um viajante numa noite de inverno, Fora do povoado de Malbork, Debruçando-se na borda da costa escarpada, Sem temer o vento e a vertigem, Olha para baixo onde a sombra se adensa, Numa rede de linhas que se entrelaçam, Numa rede de linhas que se entrecruzam, No tapete de folhas iluminadas pela lua, Ao redor de uma cova vazia, Que história espera seu fim lá embaixo?’, ele pergunta por ouvir o relato.”
(CALVINO, p. 261)
 
A trecho a cima revela o que na verdade o titulo já anunciara, pois ao se ver envolto em pequenos pedaços de histórias que, aparentemente, não se conectam, Calvino, mostra que sua obra na verdade consegue ser a constituinte de vários livros que se confrontam ou se complementam. E dessa maneira, leva ao leitor a comprovação de que sua experiência com outros tipos de leitura fizeram com que a atual possa ser entendida. 

A criação de um autor fictício, que por muito leva à subordinação do verdadeiro autor a personagem (Flannery), também ilustra o que aqui falamos, pois no curso da história um suposto autor que a muito não publica nenhuma composição sua, se vê envolto na trama, ao ver que seu nome está sendo relacionado às obras que aparecem incompletas, e que são lidas pelas personagens protagonistas.

E longamente, vemos as reflexões deste autor frente a sua visão de leitor, já que entende que toda obra tem em sua essência um público alvo/determinado.

Antagonicamente, vemos a surpresa ao entender que toda a corrida vista em direção a decifragem do mistério que envolve o livro também passa pela tessitura de uma ficção dentro de uma ficção. Afirmo, pois Ludmila e o Leitor, até agora os mais comentados. Sofrem intensa força para que se separem, pois tudo até  o momento também é obra do ex-namorado da protagonista, que insistentemente tentar reconquistá-la, falsificando histórias que na realidade não existiram ou que foram plagiadas. 

Chegamos assim ao arremate, surpreendentemente, retoma a discussão de como foi recebido pelos diversos tipos de leitores. Debatendo a forma como foi constituído.

Conclusões

Entender que a literatura é e sempre será a constatação daquilo que no mundo real não podemos criar ou pensar, é passo fundamental no exercício da leitura compartilhada e constituída de significados.

Reconhecer que o exercício de fingir, dizia o poeta Fernando Pessoa, também é outro pilar da obra de arte como objeto de estudo. Já que não podemos, em momento algum relacionar como elemento direto da realidade, aquilo que vemos em nossa frente. Este é, antes de qualquer coisa, fruto da reflexão e do modo como o artista exprime seu posicionamento a determinado contexto.

O escritor, assim como qualquer outro artista, tece sua visão de mundo dentro da obra literária levando em consideração todo conhecimento, que foi adquirido no curso de sua vida como ator de uma sociedade, que está inserida em um espaço e tempos determinados.

Na ponta desta linha, encontra-se o leitor, que assim como este é outro ator determinado por um espaço, um tempo e um grupo social ao qual faz parte.

Quando discutimos estes pontos, e os compreendemos como complementares, sabemos que não apenas aquilo que está escrito ou exposto determinará o sentido do signo, mas este se complementará do que todos os outros trazem consigo.

Para exemplificar, cito aqui um exemplo dito por uma professora, que em tempos de graduação, dizia que no caminho de leitor é costurada uma colcha formada por inúmeros retalhos, de enésimas formas, com diferentes cores e tamanhos. E que esta colcha também podia ser chamada de experiência/competência leitora, que assim como na arte, não necessariamente está ligada a leitura do verbo, mas as leituras de mundo que cada uma traz consigo.

Quando Calvino propõe a leitura sob a perspectiva espelhada, em que leitor e personagem se fundem e confundem, tratamos estas experiências como unificadores do real com o literário. O que diferentemente de muitos outros constitui algo inesperado e esta surpresa causa contentamento e/ou o contrário disso.

Bibliografia

TEXEIRA, Ivam. O Formalismo Russo. Revista Cult 1998.
CALVINO, Ítalo. Se um viajante numa noite de inverno. Trad.: Nilson Moulin.São Paulo, Companhia da Letras, 1ª Ed. 1999. 
JAUSS, H. Robert. A história da Literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ática, 1994
COTA, M.A. L. Mendes. SE UM VIAJANTE NUMA NOITE DE INVERNO: A TESSITURA DE SUJEITOS NO DISCURSO ROMANESCO. FAMINAS, Belo Horizonte, disponível em www.filologia.org.br/ileel/artigos/artigo_016.pdf 26/11/2010.
GAMA, Rinaldo. A leitura sem fim. São Paulo. Folha de São Paulo. Disponível em http://biblioteca.folha.com.br/1/21/1999082201.html 26/11/2010

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