Blog dos alunos da turma III da Especialização em Semiótica Aplicada à Literatura e Áreas Afins da Universidade Estadual do Ceará (UECE)

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Memória de Aula 05 por Ana Germana Pontes Rodrigues


AULA 5 – ESTÉTICA DA RECEPÇÃO – 16/10/2010.
Aluna: Ana Germana P. Rodrigues.

                No início da aula, foram feitas diversas considerações sobre a estética da recepção. As que mais me chamaram atenção foram:
- Essa é a teoria que normalmente encontramos principalmente nos conteúdos vistos em sala de aula;
- Nela está presente a preocupação com o leitor e com a crítica, ou seja, com a recepção que a obra possa ter;
- Ela trouxe novos contributos para história da literatura, atualmente, também no sentido: da publicação da obra, das vendas, dos contratos editoriais, etc. – que levam em consideração a preocupação supracitada;
- Ex.: a recepção de um livro como Madame Bovary fez com que seu autor fosse incriminado na época.
- Para formular essa teoria, e reescrever a história da literatura, foram utilizadas as 7 teses de JAUSS.

Um breve resumo dessas 7 teses:
1ª tese: A historicidade da literatura está na experiência do leitor. “A história da literatura é um processo de recepção e produção estética que se realiza na atualização dos textos literários por parte do leitor que os recebe, do escritor, que se faz novamente produtor, e do crítico, que sobre eles reflete.” (p. 25) O acontecimento literário só segue produzindo seu efeito se sua recepção estender-se pelas gerações futuras ou for por elas retomada – se houver também leitores que novamente se apropriem da obra passada, ou autores que desejem imitá-la, sobrepujá-la ou refutá-la.

2ª tese: O efeito da obra no seu público existe a partir do horizonte de expectativa (HE) do leitor. JAUSS, ao começar a explicar essa tese, diz que ela volta-se contra o ceticismo disseminado – principalmente pela crítica de René Wellek à teoria de I.A. Richards – quanto à possibilidade de uma análise do efeito estético chegar a alcançar a esfera de significação de uma obra literária, em vez de resultar, simplesmente, numa sociologia do gosto. Wellek acredita na impossibilidade, por meios empíricos, de determinar um estado da consciência, quer seja o individual quer seja o coletivo – que Mukarovsky supõe ser o efeito da obra de arte. Jakobson, ao tentar criar um sistema de normas para cada obra literária, limita o subjetivismo do efeito, mas não deixa clara a questão de a partir de que dados se pode apreender e alojar nesse sistema de normas o efeito de uma obra particular sobre determinado público. E é isso que tem me afastado, desde a época da graduação, de estudar e conceber a Literatura como ciência. Parece que o subjetivismo é inevitável, e isso atrapalharia uma análise mais precisa. Mas isso não significa que eu não goste de estudar Literatura, mas acabou me fazendo gostar mais ainda de fazer “análise científica” na Linguística.
Mas... voltando ao HE do leitor... Ele trata de como é esse leitor, quais as “informações” (conhecimento) que ele já tem sobre o “esperado” assunto do livro. “Na experiência literária que dá a conceber pela primeira vez uma obra até então desconhecida há um ‘saber prévio, ele próprio um momento dessa experiência, com base no qual o novo de que tomamos conhecimento faz-se experienciável [...]’. [A obra que surge] desperta a lembrança do já lido [...], conduz o leitor a determinada postura emocional e [...] antecipa um horizonte geral da compreensão vinculado, ao qual se pode, então [...], colocar a questão acerca da subjetividade da interpretação e do gosto dos diversos leitores [...]” (p. 28)
Os livros publicados a partir de folhetins são um ótimo exemplo para os estudos de recepção (ex.: Senhora, de José de Alencar). As editoras levam muito em consideração esse HE. Por exemplo: a “onda” de livros sobre bruxas que surgiu após o sucesso de Harry Potter pode ser explicada por esse HE dos leitores.
No entanto, o HE pode ser desconstruído quando, de fato, lê-se a obra. Exemplo disso é Dom Quixote, de Cervantes.

3ª tese: Entre o HE e a nova obra há uma distância estética que determina o sucesso ou fracasso da obra para o leitor. A distância estética vai determinar a qualidade da obra: com o estranhamento, com a surpresa. O exemplo que fora dado pela professora foi o do livro Cem anos de solidão, de Gabriel G. Marquez.
JAUSS assim começa a explicar esta tese: “A maneira pela qual uma obra literária, no momento histórico de sua aparição, atende, supera, decepciona ou contraria as expectativas de seu público inicial oferece-nos claramente um critério para a determinação de seu valor estético.” (p. 31). À medida que essa distância se reduz, a obra pode se aproximar da arte “culinária” ou ligeira, a qual não exige nenhuma mudança de horizonte, mas simplesmente atende “a expectativas que delineiam uma tendência dominante do gosto, na medida em que satisfaz a demanda pela reprodução do belo usual, confirma sentimentos familiares, sanciona fantasias do desejo [...] ou mesmo lança problemas morais, mas apenas para ‘solucioná-los’ no sentido edificante, qual questões já previamente decididas.” Sendo assim, essa distância “poderá desaparecer para leitores posteriores, quando a negatividade original da obra houver se transformado em obviedade.” (p. 32) Acredito que um exemplo desse tipo de obra sejam muitos dos best sellers, que, depois de um período curto de vendas significativas, são simplesmente “esquecidos” pelas gerações seguintes.

4ª tese: Para analisar uma obra do passado, é necessário entender o HE dos leitores do seu tempo. Georg Gadamer, com seu princípio da história do efeito e levando adiante a tese de Colligwood – segundo a qual “só se pode entender um texto quando se compreendeu a pergunta para a qual ele constituiu uma resposta” –, afirma que “a pergunta reconstruída não pode mais inserir-se em seu horizonte original, pois esse horizonte histórico é sempre abarcado por aquele de nosso presente: ‘O entendimento [é] sempre o processo de fusão de tais horizontes supostamente existentes por si mesmos’.” (p. 37)
A obra de arte pode também transmitir um conhecimento quando antecipa caminhos da experiência futura, imagina modelos de pensamento e comportamento ainda não experimentados ou contém uma resposta a novas perguntas (p. 39). “A tradição da arte pressupõe uma relação dialógica do presente com o passado, relação esta em decorrência da qual a obra do passado somente nos pode responder e, ‘dizer alguma coisa’ se aquele que hoje a contempla houver colocado a pergunta que a traz de volta de seu isolamento.

5ª tese: Não é só a inovação estética que garante o caráter artístico, mas a forma como esse texto é recebido através do tempo. O reconhecimento de uma obra pode não se dar na época em que ela foi escrita, mas sim depois. Isso vai depender dos leitores. “O mero contraste ou variação estética não bastaria para explicar o desenvolvimento da literatura; a questão do sentido tomado pela mudança das formas literárias teria permanecido irrespondida [...] A descrição da evolução literária como uma luta incessante do novo contra o velho [...] reduz o caráter histórico da literatura à atualidade unidimensional de suas mudanças e limita a compreensão histórica à percepção destas últimas.” (p. 43)
Seria necessário, sim, que o intérprete levasse em consideração a sua própria experiência, “pois o horizonte passado da forma nova e da forma velha, do problema e da solução, somente se faz reconhecível na continuidade de sua mediação, no horizonte presente da obra recebida.” (p. 43)
Enfim, o caráter artístico de uma obra “não tem de ser sempre e necessariamente perceptível de imediato, já no horizonte primeiro de sua publicação [...] A resistência que a obra nova opõe à expectativa de seu público inicial pode ser tão grande que um longo processo de recepção faz-se necessário para que se alcance aquilo que, no horizonte inicial, revelou-se inesperado e inacessível.” (p. 44)

6ª tese: Cada tempo oferece uma multiplicidade de obras resultando em uma multiplicidade de relações. Esta tese torna visível “a necessidade e a possibilidade de descortinar o caráter histórico da literatura por meio de cortes sincrônicos” (p. 47) A análise apenas diacrônica só alcança “a dimensão verdadeiramente histórica quando rompe o cânone morfológico, quando confronta a obra importante do ponto de vista da história das formas com os exemplos historicamente falidos, convencionais, do gênero e, além disso, não deixa de considerar a relação dessa obra com o contexto literário no qual ela [...] teve de se impor. A historicidade da literatura revela-se justamente nos pontos de interseção entre diacronia e sincronia.” (p. 48)
O corte sincrônico é a análise da obra sem se preocupar com esse “encaixe”. Como exemplo, fora citado uma possível análise da atual recepção do livro O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë, após o sucesso da saga Crepúsculo.
Fazer um corte sincrônico que passa pela “produção literária de determinado momento histórico implica necessariamente outros cortes no antes e no depois da diacronia. Resultarão daí [...] fatores constantes e varáveis, os quais se deixam localizar como funções do sistema.” (p. 48)
No entanto, “[a apresentação da literatura na sucessão histórica de seus sistemas] somente cumprirá a verdadeira tarefa de toda historiografia se encontrar e trouxer à luz pontos de interseção que articulem historicamente o caráter processual da ‘evolução literária’, em suas cesuras entre uma época e outra – pontos estes, aliás, cuja escolha não é decidida nem pela estatística nem pela vontade subjetiva do historiador da literatura, mas pela história do efeito: por ‘aquilo que resultou do acontecimento’.” (p. 49) Afinal, existe multiplicidade da literatura visto que há multiplicidade também de leitores.

7ª tese: A história da literatura só se cumpre quando é vista também como história particular e modifica a vida do leitor. Segundo JAUSS, o HE da literatura é diferente do da práxis histórica por conservar não apenas as experiências vividas, “mas também antecipar possibilidades não concretizadas, expandir o espaço limitado do comportamento social rumo a novos desejos, pretensões e objetivos, abrindo, assim, novos caminhos para a experiência futura.” (p. 52) E, mais adiante, ele explica que “a relação entre literatura e leitor pode atualizar-se tanto na esfera sensorial, como pressão para a percepção estética, quanto também na esfera ética, como desafio à reflexão moral a nova obra literária é recebida e julgada tanto em seu contraste com o pano de fundo oferecido por outras formas artísticas, quanto contra o pano de fundo da experiência cotidiana de vida.” (p. 53)
Por fim, ele conclui que “se deve buscar a contribuição específica da literatura para a vida social precisamente onde a literatura não se esgota na função de uma arte da representação.” (p. 57)

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